Palácio de Belém
10 de Dezembro de 2004
Portugueses,
Depois de ouvir os partidos políticos com representação parlamentar e o Conselho de Estado, venho comunicar-vos formalmente que resolvi dissolver a Assembleia da República e convocar eleições parlamentares. Face à diversidade de propostas que me foram apresentadas, marcarei as eleições para o próximo dia 20 de Fevereiro.
Houve quem
estranhasse que só hoje, alguns dias depois do início deste processo
politico-constitucional, me dirija ao País. Quero lembrar que a democracia é
também o regime do respeito pelas formas e do rigor no cumprimento dos
processos constitucionais. Para que se possa verificar a dissolução do
Parlamento, a Constituição da República estabelece uma metodologia precisa e
obrigatória que só hoje se pôde concluir e cujo calendário foi definido de
acordo com o que entendi ser conveniente para o País.
Tomei a decisão que
vos anuncio em coerência com as minhas posições de sempre e tendo em conta a
avaliação que faço do interesse nacional. É uma avaliação que, de acordo com a
Constituição, é da exclusiva competência do Presidente da República, que a
efectua em consciência e livremente, assumindo a responsabilidade dela apenas
perante os portugueses.
Para enquadrar a minha
decisão, importa recordar os termos nos quais optei por nomear o XVI Governo
Constitucional, e lembrar o que de então para cá se passou.
Quando, no início do
Verão passado, o Primeiro-Ministro, Dr. José Manuel Durão Barroso, aceitou um
convite para se propor à investidura como Presidente da Comissão Europeia,
optei, após cuidadosa ponderação, por não dissolver a Assembleia da República e
nomear o Dr. Pedro Santana Lopes Primeiro-Ministro, depois de o seu nome me ter
sido indicado pelo principal partido da coligação governamental.
Decidi nesse sentido
porque a maioria parlamentar me garantiu poder gerar um novo governo estável,
consistente e credível, que cumprisse o programa apresentado para a legislatura
e fosse capaz de merecer a confiança do País e de mobilizar os portugueses para
vencer os desafios inadiáveis que enfrentamos.
Por isso, na
comunicação que dirigi ao País, em 9 de Julho passado, afirmei: “Desde que o
Governo saído das eleições parlamentares continue a dispor de consistência,
vontade e legitimidade políticas, a demissão ou impedimento permanente do
Primeiro Ministro não é motivo bastante para, por si só, impor a necessidade de
eleições parlamentares”.
Mas acrescentei,
advertindo: “O Presidente da República (...) mantém intactos todos os seus
poderes constitucionais, incluindo o poder de dissolução da Assembleia da
República”.
E explicitei que
manteria em permanência “a minha avaliação das condições de manutenção da
estabilidade governamental”.
Acresce que, no
discurso que fiz no momento em que empossei o Governo, reafirmei o que havia
dito, sublinhando: “A conjuntura nacional, bem como o delicado contexto
internacional, impõem ao Governo uma particular lucidez nas políticas e um
rigor na gestão governativa, tal como aconselham a realizar obra consistente e
estruturante na solução dos problemas.”
Nesse mesmo
discurso, preveni: “O Presidente da República tem que dedicar uma atenção
extrema à transparência, equidade e imparcialidade no exercício do poder e à
prevenção dos abusos”.
Entretanto, desde a
posse do XVI Governo Constitucional, e depois de lhe ter assegurado todas as
condições necessárias para o desempenho da sua missão, o País assistiu a uma
série de episódios que ensombrou decisivamente a credibilidade do Governo e a
sua capacidade para enfrentar a crise que o País vive.
Refiro-me a
sucessivos incidentes e declarações, contradições e descoordenações que
contribuíram para o desprestígio do Governo, dos seus membros e das
instituições, em geral. Dispenso-me de os mencionar um a um, pois são do
conhecimento do País.
A sucessão negativa
desses acontecimentos impôs uma avaliação de conjunto, e não apenas de cada
acontecimento isoladamente. Foi essa sucessão que criou uma grave crise de
credibilidade do Governo, que surgira como um Governo sucedâneo do anterior, e
relativamente ao qual, por conseguinte, as exigências de credibilidade se
mostravam especialmente relevantes, e, como tal, tinham sido aceites pelo
Primeiro Ministro. Aliás, por diversas vezes e por formas diferentes, dei sinais
do meu descontentamento com o que se estava a passar.
A persistência e
mesmo o agravamento desta situação inviabilizou as indispensáveis garantias de
recuperação da normalidade e tornou claro que a instabilidade ameaçava
continuar, com sério dano para as instituições e para o País, que não pode
perder mais tempo nem adiar reformas.
Criou-se uma
instabilidade substancial que acentuou a crise na relação de confiança entre o
Estado e a sociedade, com efeitos negativos na posição portuguesa face aos grandes
desafios da Europa, no combate pelo crescimento e pela competitividade da
economia, na solidez e prestígio das instituições democráticas.
A insustentável
situação a que se chegou – e que certos comportamentos e reacções dos últimos
dias só têm contribuído para confirmar – mostra que as tendências de crise e
instabilidade se revelaram mais fortes que o Governo e a maioria parlamentar,
que se tornaram incapazes de as conter e inverter. Neste quadro, que revelou um
padrão de comportamento sem qualquer sinal de mudança ou possibilidade de
regeneração, entendi que a manutenção em funções do Governo significaria a
manutenção da instabilidade e da inconsistência. Entendi ainda que se tinha
esgotado a capacidade da maioria parlamentar para gerar novos governos.
Assim, e face a uma
situação cuja continuação seria cada vez mais grave para Portugal, entendi, em
consciência, que só a dissolução parlamentar representava uma saída.
Aliás, a reacção do
País ao tomar conhecimento do início do processo conducente à dissolução
revelou, claramente, que a situação crítica que lhe deu motivo estava
apreendida pela consciência colectiva e representava uma preocupação
generalizada.
Impôs-se, pois, a
devolução da palavra ao eleitorado, mediante a convocação de eleições gerais
antecipadas. É o que faço, no entendimento e convicção de que, nas presentes
circunstâncias, é a melhor solução para o País.
Conduzi, todavia, as
coisas de modo a que Assembleia da República, se assim o quisesse, votasse o
Orçamento de Estado para 2005.
Como, a este
propósito, foi feita uma interpretação distorcida das minhas intenções,
considero necessário dizer ao País, com total clareza, qual é o meu pensamento
sobre o assunto.
Não fiquei surdo às
vozes que defendem que o Orçamento para 2005 não responde satisfatoriamente às
exigências de efectiva consolidação orçamental, condição necessária para se
prosseguir o esforço de redução do défice público que os nossos compromissos
internacionais e as necessidades do nosso desenvolvimento futuro tornaram indispensável.
Entendi, no entanto,
e sem que se possa ver nisso contradição, que era preferível dispormos de um
Orçamento aprovado que assegurasse, desde o início do ano, o normal
funcionamento da Administração Pública e, designadamente, evitasse o adiamento
do aumento dos vencimentos dos funcionários públicos. Deste modo, e para
permitir que se pudesse considerar a aprovação do Orçamento, adiei por uns dias
o processo conducente à dissolução da Assembleia da República.
Após as eleições,
que têm, aliás, como vantagem alargar para quatro anos o horizonte do Governo
que delas resultar, espero que seja possível encarar com mais determinação o
grave problema orçamental que o País tem para resolver.
Uma última nota: não
se deve esquecer – e eu não esquecerei – que, com a dissolução da Assembleia da
República, que agora formalmente anuncio, as competências do Governo ficarão,
como é sabido, politicamente limitadas, com as consequências que isso impõe.
Portugueses,
É em situações como
a que vivemos ultimamente que as características do nosso regime ganham relevo
e consequência. Que fique claro: o Presidente da República não prescinde nem
compromete nunca, nem moral e politicamente o poderia fazer, o exercício dos
poderes que a Constituição lhe atribui. No exercício pleno desses poderes dá a
palavra ao eleitorado. Qualquer que seja o resultado das eleições, elas
constituirão sempre uma clarificação, e abrem o início de um novo ciclo
político de quatro anos.
Em democracia, não
há situações sem saída, por mais difíceis que sejam. As eleições são um momento
importante, mas natural em democracia. Seria por isso incompreensível que o
acto reconhecidamente legítimo da sua convocação fosse recebido com radicalismo
ou excessivo dramatismo.
É agora, isso sim,
tempo de os partidos políticos apresentarem aos portugueses as sua propostas e
programas de governo.
Vem aí, espero, um
tempo de debate, de confronto de ideias, de elevação e exigência democráticas.
Aos partidos
políticos, peço serenidade, tolerância para com as opiniões diversas,
colaboração na criação de um clima propício a uma escolha ponderada, livre e
consciente dos eleitores.
Aos portugueses,
apelo para que participem activamente na campanha e no próximo acto eleitoral.
A escolha que
fizerem, a força política do vosso voto e a legitimidade da nova Assembleia da
República serão fundamentais para restaurar as condições necessárias à
realização das reformas indispensáveis para o bem de Portugal.
Afinal, para o bem
de todos nós.