Discurso do Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, por
ocasião da tomada de Posse do XVI Governo Constitucional
Palácio Nacional da Ajuda – 17 de Julho de 2004
Senhor Primeiro Ministro
Senhores Membros do Governo
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
O XVI Governo Constitucional toma hoje posse na sequência das
circunstâncias excepcionais, de todos conhecidas.
Quero, antes de mais, desejar ao Primeiro Ministro agora empossado e a
todos os membros do novo Governo os melhores sucessos no exercício das suas
funções.
Ao Primeiro Ministro cessante quero também agradecer os serviços
prestados a Portugal, estendendo, naturalmente, este meu reconhecimento a
quantos serviram o país no seu governo.
Ao dar posse a V.Ex.as., devo deixar claro quais são, em minha opinião,
os desafios com que o país está confrontado e as exigências que estes impõem ao
Governo, assim como reiterar a minha interpretação de sempre sobre os poderes
constitucionais e as responsabilidades políticas do Presidente da República.
O Governo de Vossa Excelência Senhor Primeiro-Ministro terá do
Presidente da República uma cooperação institucional tão aberta quanto a que
pratiquei relativamente aos seus antecessores durante os meus dois mandatos. Em
sentido recíproco, sem prejuízo da inteira liberdade e exclusiva
responsabilidade do Governo no cumprimento do seu programa e na realização das
correspondentes políticas, o Presidente da República espera uma análoga atitude
de cooperação.
Nos limites constitucionais da separação e interdependência entre os
órgãos de soberania, pode Vossa Excelência, Senhor Primeiro-Ministro, contar
com toda a colaboração do Presidente da República. Esta cooperação não pode,
todavia, assentar numa distorção ou num apagamento das concepções e visões
estratégicas próprias do Presidente da República e do Governo.
Só por esta via se respeitará a vontade do eleitorado que sufragou
livremente, em momentos distintos, o distinto entendimento que cada um destes
órgãos tem sobre a melhor forma de servir o interesse nacional.
O Governo toma posse, Senhor Primeiro-Ministro, com um horizonte
temporal limitado aos próximos dois anos e numa situação difícil em que o País
se debate com problemas económicos e sociais cujo melindre é conhecido de
todos.
A isto soma-se o facto de, no plano estritamente político, ser este um
período marcado por sucessivos actos eleitorais que culminam nas eleições
legislativas de Outubro de 2006.
A conjunção de todos estes factores, não interessa escondê-lo, é para o
Presidente da República um motivo de preocupação acrescida.
É normal e compreensível que os partidos políticos determinem, em
grande medida, a sua actuação pelos calendários eleitorais. Mas já não seria
aceitável que o Governo e as administrações públicas condicionassem a juízos de
mera oportunidade eleitoral a prossecução do interesse nacional a que estão
obrigados.
Estou convicto de que o Senhor Primeiro-Ministro e todos os membros do
seu Governo partilham desta preocupação e serão igualmente responsáveis no
esforço de clara separação dos dois planos.
Senhor Primeiro Ministro,
Senhoras e Senhores Ministros,
Os últimos dois anos não foram fáceis para Portugal. Agravaram-se os
problemas sociais e, particularmente, o desemprego. A retoma económica é ténue.
A consolidação orçamental não está garantida. O controlo do déficit abaixo de 3
% do PIB tem sido obtido, em grande parte, à custa de medidas extraordinárias,
prática esta que não se pode transformar em regra.
Os elevados níveis de desemprego que se registam em Portugal
representam, para centenas de milhar de famílias, precariedade de condições de
vida, angústia, e a percepção de um futuro incerto.
Não se pode ignorar a dimensão social desta realidade e esperar,
passivamente, que a conjuntura se inverta para que ela se altere. É necessário
desenvolver políticas activas que propiciem, quer o desenvolvimento económico,
quer a diminuição da exclusão social.
É indispensável melhorar a produtividade e a competitividade da
economia, para aumentar o crescimento económico e o emprego, tal como é
necessário controlar o crescimento da despesa pública e aumentar a eficácia
fiscal, para assegurar a sustentabilidade das finanças públicas.
Portugal necessita, inadiavelmente, de mais crescimento económico e de
melhor consolidação orçamental, sabendo-se como uma e outra estão relacionadas.
Por um lado, porque a urgência da consolidação orçamental não pode ignorar a
importância do crescimento económico, que também ajudará a reduzir o
desequilíbrio das finanças públicas; por outro lado, porque a dimensão do
actual défice público limita a possibilidade de utilizar a política orçamental
para estimular a economia e promover o crescimento económico.
É preciso conter criteriosamente a despesa pública corrente e combater
eficazmente a evasão fiscal. Só assim se poderá ganhar margem de manobra para
evitar que se sacrifiquem indevidamente despesas sociais necessárias e poder
realizar investimentos públicos indispensáveis para melhorar a capacidade
produtiva do País. Investimentos em investigação, inovação, desenvolvimento
tecnológico e qualificação de recursos humanos, ou seja, investimentos nos
novos factores de competitividade. Investimentos que não visem estimular
artificialmente a economia mas que sirvam, sim, para melhorar a nossa estrutura
produtiva e permitir uma sólida recuperação económica.
Só assim, prestando atenção à economia sem descurar as finanças, se
poderá ir ao encontro das legítimas aspirações do País, combater o desemprego e
a exclusão social, garantir a convergência real com as economias europeias mais
desenvolvidas, melhorar, em suma, as nossas condições de vida e reforçar a
segurança económica e a confiança dos portugueses.
Recordo aqui as recentes palavras do Governador do Banco de Portugal: “
A necessária consolidação orçamental não está concluída e tem que continuar a
ser prosseguida. Este objectivo é muito exigente, quer este ano quer no
próximo, face ao crescimento económico que se antevê.
Não existe, assim, margem para programas adicionais de aumento de
despesas, nem para reduções de impostos que não sejam compensadas por
equivalente diminuição de despesa.”
Esta é e sempre foi, Sr. Primeiro Ministro e Senhores Ministros, também
em minha opinião, o único caminho que permite a necessária consolidação
orçamental nas actuais circunstâncias da economia portuguesa.
A conjuntura nacional, bem como o delicado contexto internacional,
impõem ao governo uma particular lucidez nas políticas e um rigor na gestão
governativa, tal como aconselham a realizar obra consistente e estruturante da
solução dos problemas.
O Governo cessante aprovou o Programa de Estabilidade e Crescimento
para o período de 2004 a 2007. Para assegurar a continuidade da consolidação
orçamental, é indispensável que os Orçamentos de Estado para 2005 e 2006
respeitem as linhas gerais desse Programa, nomeadamente quanto aos valores
programados para o défice público e para a evolução da despesa corrente
primária durante todo o período em causa, bem como no que toca ao compromisso
de redução progressiva do recurso a receitas extraordinárias, que têm permitido
trazer o défice para valores inferiores a 3% do PIB, à custa do enfraquecimento
da situação patrimonial do Estado. A continuidade da consolidação orçamental é
um objectivo que se impõe ao Governo na parte que resta da legislatura, como
aliás claramente indica o período de referência do Programa de Estabilidade e
Crescimento.
O país não está, de facto, em condições de suportar qualquer deriva
eleitoralista.
Impõe-se igualmente uma palavra sobre a nossa participação activa no
projecto de integração europeia, enquanto linha essencial da política externa
portuguesa. Soubemos, na altura própria, quando virámos uma página da vida do
País, reencontrar as matrizes históricas e culturais que sempre nos haviam
definido. E fizemo-lo na clara percepção de que esse era o caminho mais seguro
para garantir a democracia, favorecer a modernização do Estado, e dar
consistência e outra força à nossa capacidade de intervenção externa,
designadamente em áreas onde devemos defender permanentes interesses nacionais.
Este é um tempo de decisivos desafios para a Europa de que fazemos
parte, pois diferente é o seu desenho com o novo alargamento e novas as
responsabilidades que pretende assumir. Por isso, não poderá haver agora
hesitações ou ambiguidades na defesa do caminho europeu que, num extenso e
quase consensual entendimento político, temos percorrido, e que os vários
Governos têm sabido proteger.
Excelências,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Ao partilhar com V. Ex.as. um conjunto de preocupações quanto à difícil
situação do país, não posso deixar de ter presente que este Governo é sucedâneo
do anterior, no estrito sentido em que ele resulta, apenas, da demissão do
anterior Primeiro Ministro e não é fruto de nenhuma alteração ocorrida no
quadro parlamentar, nem, tão pouco de qualquer mudança na relação entre os
partidos da coligação.
Como já disse, conta o Governo com a cooperação institucional do
Presidente da República, o que em nada interfere com a legitimidade do Governo
e da maioria parlamentar para definirem quais as tarefas essenciais, no seu
entendimento, para dar resposta, nestes tempos de tantas dificuldades, às
necessidades e aspirações do País.
E é, por isso, que a minha afirmação da necessidade de respeito pelo
programa com que os partidos da coligação se apresentaram à investidura
parlamentar, na sequência das eleições legislativas de 2002, não envolve, nem
podia envolver, qualquer juízo da minha parte sobre tal programa, nem nenhuma
corresponsabilização com ele. Sobretudo quando no nosso sistema constitucional,
como noutra oportunidade referi, o Presidente da República não é politicamente
responsável pela actuação do Governo.
Nesse sentido, na esfera que lhe é própria, e que não é a da
governação, o Presidente da República continuará a desenvolver o compromisso
sólido com as grandes causas nacionais, da educação à justiça, da integração
europeia à afirmação da nossa identidade, do combate à evasão e fraude fiscais
à estabilidade financeira do Estado. No desenvolvimento desse compromisso, o
Presidente da República nem se corresponsabiliza pela política desenvolvida
pelo Governo, nem labora para forjar ou facilitar alternativas. As suas
preocupações são as do interesse nacional, da unidade do Estado, do bem-estar e
dos direitos fundamentais dos portugueses, da garantia do pluralismo e
equilíbrio do sistema político.
Empenhado, como sempre, na garantia da plenitude de
condições políticas e institucionais para que o Governo possa desenvolver o seu
programa político, para que as oposições possam exercer a sua função de
crítica, de proposição e de controlo, e para que o eleitorado possa livre e
conscientemente julgar as alternativas no termo da legislatura, o Presidente da
República tem, aqui, que dedicar uma atenção extrema à transparência, equidade
e imparcialidade no exercício do poder, à prevenção dos abusos, à protecção das
minorias e à preservação das possibilidades efectivas de alternância
democrática.
Senhor Primeiro Ministro,
Quero repetir as palavras que já aqui proferi: “Ao nomear o Governo,
faço-o na convicção de que se trata de uma fórmula de estabilidade, assente no
entendimento sólido e responsável entre os partidos que integram a maioria
parlamentar”.
Reitero-lhe, Senhor Primeiro Ministro, Senhoras e Senhores membros do
Governo, os desejos de sucesso no exercício no exercício das funções em que
foram empossados.