Discurso
proferido em 14/05/1974 na cerimónia do
Juramento
de Bandeira do Curso P1/74
Camaradas
recrutas,
Coube-me a honra e a responsabilidade de ser indicado
para escrever e ler algumas palavras a vós destinadas, nesta cerimónia do vosso
Juramento de Bandeira, coincidente com o Dia da Unidade; e, aquilo que poderia,
à priori, ser como tácita aceitação de uma disposição superior, não o foi, na
realidade, pela simples razão de que este ano, houve um 25 de Abril.
Já é do conhecimento geral os acontecimentos
memoráveis desse dia, - de cuja extensão não temos ainda a noção exacta – em
que um punhado de capitães desceu à rua, deu as mãos ao Povo e resolveu pôr
cobro ao governo fascista, colonialista de Salazar e Caetano que, com mais ou
menos repressões, com mais ou menos sorrisos demagógicos, com mais ou menos reformas
revisionistas ia aniquilando o País, ia tornando Portugal numa Nação
indesejável à luz do mundo, fazendo dele um dos recantos mais miseráveis do
globo terrestre, para gáudio e enriquecimento de uma minoria, postada na
exploração do próprio povo.
Terminou o fascismo e, graças ao Movimento das Forças
Armadas / Povo, de imediato se lançaram as primeiras pedras na reconstrução de
uma nação verdadeiramente livre, com respeito e defesa das liberdades
individuais, sustentáculo inequívoco de um jogo em que as regras se resumem a
FÓRMULAS DEMOCRÁTICAS DE EXISTÊNCIA.
Eis porque se tornou possível eu escrever, e mais
ler, aqui, numa Unidade Militar de Portugal, qualquer coisa como isto que vos
escrevi e estou lendo e que, ainda há bem pouco , me faria quase hesitar em
pensá-lo. Ainda me lembro, sem saudade como é evidente, do discurso que
há três meses o Alf. Magalhães proferiu, aqui, neste mesmo local, e das
dificuldades por ele tidas, em escrever algo que não ferisse as
“susceptibilidades governamentais”, nem colidisse com o seu esquema ideológico.
Por isso, e pelo o facto de esta ser (creio eu) a
primeira cerimónia de Juramento de Bandeira deste país de Abril, deste Portugal
resgatado, desta Nação ressuscitada, eu reafirmo da honra e igualmente da
responsabilidade maior que a liberdade de expressão me aufere, na designação
desta missão, cujas linhas vos dedico.
Ao fazê-lo, o meu pensamento vai primeiramente para
todos aqueles que sofreram na carne, a irracionalidade do governo de Salazar e
Caetano, para os presos políticos que no Tarrafal, em Caxias, em Peniche foram
expostos aos maiores vexames e torturas, jamais possíveis e passíveis de serem
idealizados no mundo actual. E quantos sucumbiram às mãos dos algozes...
Vai, do mesmo modo, para o Povo que durante meio
século foi sistematicamente explorado e espoliado dos seus haveres e da
justiça; desse povo enlutado que tudo deu sem nada receber.
Não esqueço, ainda, os corajosos filhos da Pátria que
se recusaram a alimentar, a colaborar com o fascismo, e no estrangeiro buscaram
melhor vida, já que neste canto só encontravam o lento caminhar para uma morte
inútil, a fome, a miséria, a injustiça, a corrupção, em contraste flagrante com
as benesses concedidas a meia dúzia de
monopólios.
Um desses exilados, o extraordinário Manuel Alegre, a
personificação incontestada da Voz da Liberdade, gritava lancinante lá de
longe:
Não mais Alcácer Quibir
É preciso voltar a ter uma raiz
Um chão para lavrar
Um chão para florir
É preciso um País
Não mais navios a partir
Para o país da ausência.
É Preciso voltar ao ponto de partida
É preciso ficar e descobrir
A pátria onde foi traída
Não só a independência
Mas a vida.
O Tempo é de esperança, e mais de certeza. Já
temos um País, com chão para lavrar, para florir; é preciso voltar ao ponto
de partida!
Temos homens capazes de o cultivar, de o construir,
de o engrandecer, de o amar... é preciso inventar o amor nesta terra que já foi
de ódio.
E ao ver-vos diante de mim, de armas na mão, eu vejo,
como dizia o poeta, o povo em armas. É preciso não vos esquecerdes que a vossa
responsabilidade está em assegurar a paz, defender as liberdades individuais
tal como o afirmam os princípios do movimento das Forças Armadas de 25 de
Abril.
Da união do Povo com as Forças Armadas dependerá o
bem estar social, a alegria de viver, a paz de Portugal.
No Povo sempre esteve e estará a razão de ser de um
País.
Com uma farda vestida, um fato de macaco, uma batina,
de qualquer modo que vos apresentardes, cabe-vos a responsabilidade e o dever
de defesa total dos interesses da Nação.
Pela primeira vez neste País, o Juramento de Bandeira
toma o significado e a projecção de uma defesa popular e verdadeiramente
nacional.
Vós sois “os homens capazes duma flor, onde as
flores não nascem”, como dizia também o Manuel Alegre.
É forçoso que construamos, dentro da nossa
especificidade, um País novo, o País de Abril, onde os homens estejam – como
referia Paul Valéry – “prontos a enfrentar coisas que nunca existiram”.
Sede dignos, igualmente das fardas que em 25 de
Abril, de mangas arregaçadas, empunhando a raiva e o desejo de gritar bem alto
“BASTA”, puseram fim ao governo cruel de Caetano, continuador do
despotismo santacombadense.
Sede dignos desses homens e ajudai o País a aprender
a soletrar palavras como LIBERDADE e AMOR.
Pilotos recrutas do curso P1/74 que os vossos aviões,
e os conhecimentos aqui obtidos vos sirvam para estreitar as distâncias, na tal
“Viagem do Homem para o Homem”.
A todos Boa Viajem!
(António Ferreira Pinto)
Alferes Miliciano